segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A caminho do "pós" vestibular - Artigo para JORNAL CORREIO POPULAR - 21/10 - CAMPINAS SP




Um processo de “preparação” para o vestibular precisa pontuar as exigências e o cotidiano da vida universitária, bem como da prática profissional. Deve considerar as dimensões do tempo: passado, presente e futuro e não apenas o tempo momentâneo de “preparação para o vestibular”.  Ainda, precisa se distanciar da compreensão, que se tornou mito ou uma racionalidade instrumentalizada, que “preparar-se” significa a capacidade de “se fazer uma prova” ou da tão e somente necessidade de se reter “milhões de informações ou conhecimentos estanques”.
A expressão do senso comum “se preparar para o vestibular” deve considerar a seguinte questão: preparação para fazer um vestibular ou para a vida de estudante do ensino superior?
A indagação nos faz refletir sobre três pontos:
Ponto 1: o cotidiano e as exigências da vida de estudante como um universitário – ou seja, “pós” vestibular – necessitam de outros elementos formativos que vão além da habilidade de responder questões objetivas e dissertativas ou ser capaz de memorizar milhares de informações.
Ponto 2: A dimensão de estudante do ensino superior se amplia quando imaginamos que, um dos objetivos, pós conclusão da faculdade, será o exercício de uma prática profissional ética,  efetiva e de sucesso.
Ponto 3: O  estudante, enquanto ser humano, convive e conviverá dentro de um “ethos” social moderno, onde a vivência não poderá estar pautada nesta estancada forma de mito da capacidade de ser o primeiro colocado aprovado num vestibular  com a foto estampada nos out doors das instituições de ensino. Tal perspectiva é inconcebível com o princípio moderno de cidadão que incidirá diretamente na formação da prática profissional pautada na ética e no compromisso do fazer profissional na sociedade.
Os apontamentos acima assinalam os limites do pensar: “preparar-se para o vestibular” significando “preparar-se para o ensino superior”. Esta concepção vem sendo, equivocadamente, o propulsor de aprendizagem do ensino médio ou até o referencial de qualidade, muitas vezes, de instituições escolares. Limitar a construção e a ampliação do conhecimento apenas ao desenvolvimento de poucas capacidades dos estudantes, como a de reter informações direcionadas a resolução assertiva nos exames de vestibulares é um aspecto que deve ser repensado. É preciso outra postura, onde “o foco se desloca então de uma racionalidade cognitivo-instrumental a uma racionalidade comunicativa” (Habermas).
O modelo de projeto voltado para uma “preparação”, cristalizada, pode ser melhor compreendido, ao olharmos a construção da educação formal brasileira contemporânea  pensada no princípio da universalidade, mas que historicamente assumiu e assume as vias de acesso ao ensino superior pautadas nos moldes da concorrência e pouco de uma acessibilidade paritária. O caminho tornou-se um catalisador do formato e do discurso sobre o que é “preparar-se” para o ensino superior ou ser um estudante do ensino médio.
Outras referências se construíram a partir da perspectiva do acesso por concorrência ao ensino superior, como:
Ø  a ideia de que estudar está ligada a memorização de milhares de conteúdos destinados a realização de uma prova o que se  distancia da condição de aprendizagem como uma compreensão e  formação de um conhecimento da realidade.
Ø  compreensão de que o ensino superior é para poucos e que estes poucos são os mais inteligentes,  compreendidos como aqueles com maior capacidade de “decorar” conteúdos cobrados nos exames.
Ø  a perspectiva de que o Ensino Médio “bom” e “instituições boas” são aquelas que “preparam” para uma “boa prova do vestibular” (de preferência aqueles vestibulares de maior concorrência no país).
Voltando ao tema central, o que concebemos como “preparação”, devemos ratificar ainda a afirmação feita no início do texto, qual seja a noção do tempo. A ideia ou ato de estar se “preparando” envolve três dimensões do tempo: um passado, um presente e um futuro.
Focar tão somente no momentâneo ou no momento presente (na prova do vestibular) indica a possibilidade de um grande choque no futuro.
É necessário que o estudante tenha instrumentos de aprendizagem e conhecimento que o possibilitem de se aproximar com máximo de clareza de quem ele é e o que se pretende quanto ao seu futuro de vida e de profissão.
Dados apontam uma margem de quase 30% dos estudantes que ingressam ensino superior, abandonam o curso e apenas 47% se titulam após quatro anos de estudos. Dentre as justificativas para tais índices se destacam duas: a questão de dificuldades na aprendizagem (de forma de estudos) e a escolha do curso.
“Preparar-se” bem para o vestibular é preparar-se para ser capaz de assumir o desafio do tempo futuro aberto, de ser capaz de sentir-se desafiado para viver uma prática universitária e posteriormente uma prática profissional, de sentir-se inserido na sociedade com sua vida e suas escolhas adquiridas em todo seu processo de aprendizagem.
Segundo o filósofo Habermas para estar no mundo como um cidadão é necessário ter condições universais de agir, através das possibilidades de: “estar-se expressando inteligivelmente, de estar dando a entender algo, de estar permitindo-se a entender, e de entender-se com os demais.”
Enfim, onde encontrar esta preparação? A resposta é simples: os colégios ou escolas ainda possuem a missão de ser este local. Como encontrar? Também nos parece simples: buscar instituições que têm em sua missão e na sua visão, valores que incorporem esta proposta, onde o vestibular é um rito de passagem e não um mito do qual se queira fazer uma grande história, principalmente publicitária.

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