sábado, 13 de março de 2010

Como se forma um bom aluno - Parte III

6. PENSAMENTO SOLTO
Um caminho alternativo, quase oposto ao da persistência dos trigêmeos Joebert, Joemerson e Joeverton, é a aposta na criatividade. Trata-se de, em vez de perseguir notas, liberar a imaginação. Pode-se construir uma argumentação forte contra a ênfase do sistema de ensino nas notas. Quando uma pessoa (criança, jovem ou adulto) se concentra em demasia no grau que receberá por um trabalho, deixa de apreciar o valor intrínseco dele. Em boa medida, a importância dada à nota é subtraída da alegria de aprender. Por isso é tão revitalizante observar crianças como Larissa Silvestre, de 9 anos, descobrindo o mundo, formulando conceitos, brincando. “A Larissa sempre foi criativa”, afirma sua professora de artes, Maria Luisa de Godoy. “Se eu pedia para ela recortar uma árvore, numa aula sobre contornos, ela me vinha com um varal cheio de roupas. Se eu ensinava a fazer uma peteca de sucata, em cinco minutos a peteca virava outro brinquedo.”

Sua mãe, Arlete de Epifânia, estudou até a 4a série e é cozinheira há 13 anos em uma casa de um bairro nobre de São Paulo. No ano passado, entrou pela primeira vez em um museu, quando a escola de Larissa convidou os pais a acompanhar os filhos numa visita ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). “Nunca imaginei que existisse um lugar como aquele e que minha filha fosse capaz de fazer o que ela fez ali”, diz Arlete. De lá para cá, quando tem tempo livre, ela tenta fazer programas que envolvam algum tipo de atividade artística. Se não dá, ajuda a filha a costurar roupinhas para suas bonecas. Parecem atividades que têm pouco a ver com as disciplinas escolares. Não é assim. A sensibilidade de Larissa para as artes faz dela uma criança observadora – o que a favorece na hora de resolver um problema de matemática ou associar fatos históricos. Segundo Maria Lúcia Sabatella, especialista em crianças superdotadas, gente criativa é extremamente concentrada. “Os grandes inventores, os maiores estrategistas, nos negócios ou na guerra, não fazem a sequência lógica de raciocínio”, diz. “Eles são criativos. Seu caminho para chegar à resposta pode até ser mais longo. Mas é singular.”

Esse argumento é contrário à má imagem dos alunos que ficam “rabiscando o papel” em vez de estudar a sério para a prova. “A produção artística exige do aluno um esforço que pode ser maior do que nas outras disciplinas”, afirma Paulo Portella, coordenador do Serviço Educativo do Masp. “A criatividade das artes exige construção de conhecimento – e não a simples repetição deles.” Uma criança com pendor para as artes pode ter um caminho de sucesso até maior que o de um aluno “certinho”, em áreas menos convencionais. Ou pode levar vantagem no próprio campo do estudo. Larissa, por exemplo, diz que não quer ser artista quando crescer. Ela quer ser veterinária. 7. A INSPIRAÇÃO DE ALGUÉM - Todo mundo tem alguém que admira. Pode ser a mãe, um professor, uma personagem histórica. Essa figura nos faz almejar ser melhor. Isso também é verdade nos estudos. Quase todo bom aluno tem um professor inspirador, um parente que quer imitar, um bom exemplo. Felipe Brum, de 10 anos, morador de Brasília, tem dois: seu avô materno, Ribamar Ferreira, e Bruno, seu irmão mais velho. Ribamar é engenheiro e serve de inspiração para Felipe desde que, numa visita à construção de uma pousada da família na Bahia, mostrou-lhe que a matemática serve para construir coisas. “Quero construir robôs para ajudar a salvar a humanidade do desmatamento”, diz o menino. “Para fazer meu robô, sei que vou ter de estudar engenharia.” Bruno, seu irmão mais velho, também segue a carreira do avô. Passou no vestibular com 16 anos. “Eu também quero passar na UnB”, diz Felipe, sem saber direito o que significa a sigla, da Universidade de Brasília. Seu plano para conseguir a vaga já está em prática. Estuda duas horas todos os dias e tem como meta a nota mínima 8.

A rotina de estudos de Felipe foi organizada pela mãe, Isabella, para que o menino superasse suas dificuldades de aprendizado. Há dois anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção (TDA). Isabella, que é médica, mudou seus horários para se dedicar aos estudos do filho. O irmão mais velho também ajuda. “Ele me estimula a aplicar os cálculos em tudo o que faço”, diz Felipe. “Nunca imaginei que para construir computadores a gente usava matemática.” Ter o avô e o irmão como heróis é a motivação de Felipe. “São muitos os casos em que ter um referencial, um exemplo a ser seguido, é determinante para a motivação do aprendizado”, afirma Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “Estimular isso é válido, mas com o cuidado de respeitar a individualidade da criança.” Porque pode acontecer o contrário: a criança se sentir intimidada pela figura de sucesso e se frustrar ao não conseguir ser como ela. Não parece ser o caso de Felipe. No ano passado, ele tirou 9,6 em matemática, disciplina em que tinha ficado em recuperação no ano anterior. “Agora só quero boas notas, sei que isso ajuda a passar rápido no vestibular, como foi com o Bruno.”

8. PLANOS DE MUDAR O MUNDO - Para que serve a escola? Em parte, ela é a instituição conformista por natureza. É lá que aprendemos os meios e modos do mundo, as tradições de nossa cultura, o que devemos fazer para ter sucesso, de acordo com as expectativas da sociedade. Mas ela é, também, o lugar do exercício das possibilidades. É nela que aprendemos a pensar por conta própria. Uma boa educação inclui a capacidade de questionar, experimentar, criar. Um traço comum entre maus alunos é que seus interesses estão fora da escola. Mas esse é também um traço comum entre os bons alunos. A única diferença é que os maus alunos perseguem seus interesses em detrimento do estudo. Os bons mesclam suas atividades ao estudo. Com isso, ganham capacidade crítica, vivência, experiência.

No ano passado, Marcelo Monteiro, de 16 anos, dedicou boa parte de seu tempo livre a um projeto especial: recuperar a imagem do grêmio estudantil do colégio onde cursa o 3o ano do ensino médio, em Porto Alegre. Sua função como primeiro secretário era negociar com a diretoria atividades para os alunos e melhorias na escola, tarefa complicada dada a reputação do grêmio até então. As gestões anteriores deixaram a organização quebrada. Ao assumir, Marcelo e seus colegas de chapa encontraram a sede pichada, sofás depredados, computador quebrado. “Tivemos de reconquistar a confiança do diretor e dos coordenadores para emplacar nossos projetos”, diz ele. Para reformar a sede, arrecadou dinheiro com os alunos (cobrando pelo serviço de fazer carteirinhas de estudantes) e pais de alunos (enviou cerca de 1.500 boletos opcionais no valor de R$ 20 para o endereço residencial dos colegas. Mais da metade dos pais depositou o dinheiro). Também organizou uma campanha para mobilizar o colégio a participar de uma espécie de gincana. O prêmio, dado para a escola com o maior número de inscritos, era um computador. Levou. No final do ano, já com a sede reformada e o prestígio do grêmio recuperado, Marcelo conseguiu autorização da diretoria para fazer um festival de música. Cada convidado levou 1 quilo de alimento, doado para entidades carentes. “Não sei quanto deu no final, mas lotamos a Kombi que a escola nos emprestou para fazer a entrega.”

Mesmo tão ocupado com articulações estudantis e organização de eventos, Marcelo está no topo das notas de sua turma. Vai tentar o vestibular para Direito. “Ele não tem medo de se meter em encrencas”, diz um de seus professores, Ivanor Reginatto, no colégio há 25 anos. “Nem todo bom aluno questiona tanto quanto Marcelo, mas essa sua capacidade o coloca entre os melhores.” De certa forma, Marcelo segue os passos de seus pais, Marisa e Rui. Ambos participaram de grêmios estudantis no colégio e na faculdade. Durante cinco anos, presidiram a Associação de Pais e Mestres onde Marcelo estuda. “Tentamos passar a ideia de que se engajar em atividades fora da sala de aula daria a ele a base que vai definir seu futuro profissional e pessoal”, diz a mãe. “Eles me ensinaram a priorizar o diálogo, a discutir questões que acho importantes”, diz Marcelo. É para isso que serve a educação. Para atuar no mundo.

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